A má qualidade dos serviços públicos foi um dos motivos dos protestos de junho de 2013 e será um tema recorrente nos debates da campanha municipal neste ano. A percepção de que a entrega do governo está aquém do adequado depende de vários fatores, como mau planejamento, falta de verbas e despreparo de funcionários.
Começam a despontar algumas iniciativa na administração pública, contudo, que tentam estimular os próprios servidores a achar soluções mais eficientes, rápidas e baratas para prestar o serviço ao cidadão. Em 2015, o governo de São Paulo lançou o primeiro laboratório de inovação em governo do país, o iGovLab. Na quarta-feira (17), o governo federal lançou o seu próprio laboratório do tipo, o G.Nova, vinculado à Enap (Escola Nacional de Administração Pública).
Esses laboratórios são espaços para difundir, entre os servidores, a cultura de que eles podem buscar e implementar soluções mais adequadas em seu trabalho. Também oferecem ideias para melhorar políticas públicas em funcionamento, testam inovações antes de serem implementadas e, em alguns casos, oferecem cursos para estimular os servidores a usarem a criatividade para solucionar problemas práticos.
O Nexo perguntou a Guilherme de Almeida, diretor de inovação da Enap e responsável pelo G.Nova, e a André Tamura, diretor executivo da WeGov, empresa que presta consultoria a governos sobre inovação, quais são as dificuldades para o funcionalismo ter ideias e implementá-las. Eles citaram duas principais:
Mais do que leis engessadas ou falta de dinheiro, a dificuldade de criar uma cultura que valorize o “pensar diferente” e a tomada de iniciativa entre os servidores foi apontado por Almeida e Tamura como o principal gargalo da inovação no poder público.
Isso ocorre por causa de um “estigma” de que todo servidor seria um funcionário encostado, sem iniciativa para inovar, segundo o diretor da WeGov, e também pelo receio de funcionários públicos que desejam arriscar novas formas de gestão, mas temem sofrer represálias de chefes que preferem que tudo fique como está.
“Há servidores com mais de 20 anos de carreira excelentes, procurando se capacitar. Às vezes o sofrimento que o cidadão enfrenta ao não conseguir emitir uma guia, o servidor sente isso no seu dia a dia e quer fazer melhor”, diz Tamura.
COMO MUDAR
Almeida, da G.nova, afirma que a cultura pode ser aos poucos difundida por meio da divulgação de práticas que tiveram sucesso, compartilhamento de metodologias e rodas de conversa com servidores.
Para Tamura, da WeGov, mesmo que o servidor tenha desejo de inovar, às vezes faltam técnicas para ele pensar e implementar a solução. Isso poderia ser contornado por meio de cursos de “design thinking”, que ensinam métodos de solução de problemas práticos.
A articulação entre diversos órgãos de governo é apontada por Almeida como outro gargalo a ser superado, para que o serviço público seja prestado sob a ótica do cidadão, e não sob a lógica dos diversos órgãos da burocracia. “O cidadão não precisa saber quantos ministérios existem para poder lidar com o poder público”, diz.
COMO MUDAR
Uso intensivo de tecnologia para reunir dados e procedimentos de órgãos dispersos em um mesmo canal de atendimento. Outra tática é alterar a sistemática de reuniões para que ela seja focada na construção de soluções práticas. “O trabalho de inovação é muito mais de articular e construir junto do que de realizar mudanças jurídico-normativas”, diz Almeida.
Entre os gestores públicos havia uma brincadeira de que, até pouco tempo atrás, inovar no governo era uma prática ilegal, diz Tamura. Isso porque uma das regras do funcionalismo determina que “só é permitido fazer o que a lei autoriza”, e não havia nenhuma lei orientando os servidores a inovar. Isso mudou em janeiro de 2016, com um decreto que colocou a inovação entre um dos princípios da governança digital.
Segundo ele, a relação do governo com a inovação ocorria prioritariamente por meio da transferência de dinheiro para projetos da iniciativa privada, em editais conduzidos por órgãos como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), ou implementando políticas que simplificavam a burocracia enfrentada por empresas inovadoras.
O movimento atual, diz, é reformular os métodos de trabalho do próprio governo, usando ferramentas de tecnologia e ensinando como os servidores podem agir para que a inovação aconteça. A criação do laboratório do governo paulista, em 2015, e o do governo federal, na quarta-feira (17), se inserem nessa lógica.
Almeida, da G.nova, conta que a Enap realiza um prêmio anual para reconhecer iniciativas do governo desde 1997, mas agora passará a ter um órgão dedicado exclusivamente ao tema, composto por dez servidores. O lançamento do laboratório vinha sendo planejado desde a gestão da presidente afastada Dilma Rousseff e se efetivou durante o governo do presidente interino Michel Temer.
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/08/22/Quais-s%C3%A3o-as-dificuldades-para-estimular-a-inova%C3%A7%C3%A3o-nos-governos
(Bruno Lupion 22 Agosto 2016)
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